O Partido Comunista ateu da China está permitindo certas práticas religiosas e parou de criticar os ensinamentos de Confúcio, diz jornal Asia Times.
O Partido Comunista Chinês, fundado em 1921, está comemorando o 100º aniversário. Durante a maior parte dessas décadas, o partido procurou restringir ou apagar as práticas religiosas tradicionais, que considerava parte do passado “feudal” da China. Assim, desde o final dos anos 1970, o partido lentamente permitiu um renascimento da religião.
Mais recentemente, o presidente e líder do Partido Comunista, Xi Jinping, endossou a contínua tolerância do partido à religião para preencher um vazio moral que se desenvolveu em meio ao acelerado crescimento econômico da China.
No entanto, esse apoio vem com advertências e restrições, incluindo a exigência de que os líderes religiosos apoiem o Partido Comunista.
Um reavivamento da religião
O ateísmo continua sendo a ideologia oficial do partido, com membros proibidos de professar fé religiosa. Dessa forma, os esforços agressivos do partido para obliterar todas as crenças e práticas religiosas chegaram a um ponto alto durante a tumultuada década da Revolução Cultural, de 1966 a 1976.
Todos os templos e igrejas foram fechados ou destruídos. Qualquer forma de atividade religiosa era proibida, mesmo que houvesse promoção vigorosa do culto a Mao (Zedong), que assumia o papel de religião oficialmente sancionada.
Como parte de grandes reformas e um afrouxamento dos controles sociais, iniciados no final dos anos 1970, o partido lentamente aceitou uma série de comportamentos e tradições que atendem às necessidades religiosas ou fornecem saídas espirituais. Budismo, taoísmo, catolicismo, islamismo e protestantismo – as cinco religiões oficialmente reconhecidas – têm retornado, embora com sucesso variável.
Há um número crescente de templos, associações, peregrinações e festivais locais, e um número crescente de clérigos budistas, cristãos e taoístas. Muitos locais religiosos estão abertos para adoração privada e serviço comunitário e são frequentados por pessoas de todas as idades.
Os governos locais geralmente desejam restaurar e promover estabelecimentos religiosos, principalmente para estimular o turismo e o desenvolvimento econômico local.
Consequentemente, uma grande metrópole como Xangai tornou-se o lar de grandes e pequenos estabelecimentos religiosos, oficiais e clandestinos. Assim, variam de santuários locais a templos budistas e taoístas, igrejas e mesquitas. Também há novos ingressantes no cenário religioso, como por exemplo os centros de ioga que surgiram em muitas cidades chinesas.
Parece que as pessoas receberam bem essas mudanças de política. Um estudo de 2020 do Pew Research Center descobriu que 48,2% da população da China tinha alguma forma de afiliação religiosa.
Os dados exatos são discutíveis e é difícil conduzir pesquisas confiáveis na China. No entanto, esses resultados sugerem que muitos chineses participam de várias atividades que podem ser rotuladas de religiosas.
Uma mistura de práticas
Tradicionalmente, a maioria dos chineses não segue uma única fé ou constrói uma identidade religiosa estreita. Eles se envolvem com várias crenças e práticas, um padrão de piedade religiosa que remonta a séculos na China imperial.
Assim, abrangendo aspectos do Budismo, Confucionismo e Taoísmo, bem como muitas práticas denominadas “religião popular”. Isso inclui visitar templos, participar de peregrinações e festivais, orar e oferecer incenso, adoração aos ancestrais e veneração de várias divindades celestes.
Existem também as práticas populares de geomancia ou feng shui, uma arte milenar de harmonizar os humanos com seu ambiente e adivinhação ou leitura da sorte.
Essas ricas tradições costumam ter variações regionais, como a veneração de Mazu, uma deusa do mar, que é especialmente prevalente no sudeste da China e em Taiwan. Originalmente uma deusa padroeira dos marinheiros, Mazu é amplamente adorada por pessoas de todas as esferas da vida e promovida como um importante símbolo da cultura local.
Reconciliação confucionista
O Partido Comunista também parou de criticar os ensinamentos de Confúcio, o famoso filósofo e educador dos séculos VI e V. Durante grande parte do século 20, os ensinamentos confucionistas foram rejeitados como relíquias desacreditadas de um passado imperial. No entanto, isso mudou nas últimas décadas, à medida que o partido buscava se reposicionar como guardião das tradições chinesas.
Isso contribuiu para um renascimento significativo do confucionismo.
A estrutura ética consagrada pelo tempo do confucionismo oferece diretrizes para navegar nas realidades muitas vezes difíceis da vida em uma sociedade altamente competitiva. Porém, o partido também achou útil aproveitar aspectos do confucionismo que ressoam com seus interesses centrais, como obediência à autoridade e respeito pelo líder.
Portanto, o governo apoiou o restabelecimento dos templos e institutos confucionistas. Também patrocinou conferências sobre confucionismo e até organizou palestras sobre ensinamentos confucionistas para funcionários do partido.
Controle e curadoria
Adotando atitudes e métodos com precedentes há muito estabelecidos na história dinástica da China imperial, o governo comunista se posiciona como o árbitro final da ortodoxia e heterodoxia, ou práticas religiosas adequadas e impróprias. Os líderes religiosos devem apoiar o partido e seguir suas diretrizes.
As autoridades mantêm firme controle administrativo sobre todas as formas de expressões e organizações religiosas, pelos meios que considerem prudentes ou necessários. Como sabemos pelos relatórios de acadêmicos e jornalistas ocidentais, esse controle varia de formas sutis de dominação e cooptação de grupos religiosos até proibições ou repressões diretas.
Em 2015, o governo removeu 1.200 cruzes de prédios de igrejas em toda a província de Zhejiang. Em 2016, um tribunal de Zhejiang condenou um pastor protestante a 14 anos de prisão por resistir a uma ordem do governo para derrubar a cruz de sua igreja. Já em 2018, o governo demoliu a Igreja Golden Lampstand na província de Shanxi.
Em resposta, a maioria dos grupos religiosos age com cuidado e se engaja na autocensura.
A China tende a tratar as religiões percebidas como potencialmente ameaçadoras à ordem estabelecida com severidade, especialmente se suspeita de laços estrangeiros ou tendências separatistas.
Por exemplo, durante décadas, a China regulamentou estritamente o budismo no Tibete, ao seguir políticas destinadas a suprimir as identidades culturais e nacionais dos tibetanos. Assim, contrastando com atitudes mais relaxadas em relação à forma de budismo praticada pela maioria Han.
O partido explicou sua recente campanha implacável para reprimir os uigures, uma minoria muçulmana em Xinjiang – uma região nominalmente autônoma no noroeste da China – com o objetivo de combater o terrorismo e o separatismo.
Segundo alguns documentos que vazaram, desde 2014 até um milhão de uigures foram internados em “campos de reeducação”. É parte de uma política linha-dura de secularização e “sinicização”, que implica assimilar os uigures na cultura han majoritária, com a perda de suas identidades religiosas e étnicas.
Ato de equilíbrio
Ao comemorar seu 100º aniversário, o Partido Comunista Chinês busca projetar a imagem de uma nação unificada retornando ao domínio político e econômico global.
Entretanto, em casa ela enfrenta vários problemas e está empenhada em um ato de equilíbrio: afirmar seu duplo papel como guardiã e curadora da cultura e religião tradicionais chinesas, mas de uma maneira que realça, em vez de minar, seu poder e autoridade.