O ano de 2024 foi marcante para a literatura coreana, Lee Sun-Young, autora de Farmácia do Amor da Família Botero, também obteve espaço no cenário global e tem conquistado os corações dos leitores brasileiros com sua estreia pela VR Editora. Com uma carreira sólida na Coreia do Sul, Lee compartilha seus pensamentos sobre o impacto da K-literatura, os desafios e inspirações do processo criativo, e o crescente apelo da ficção de cura.
No livro, a autora conta a a história peculiar farmácia gerida por Botero, um cientista bioquímico de aparência excêntrica, e sua esposa, a Sra. Han. Conhecida por sua “poção do amor”, o local atrai uma clientela variada. Através da narrativa, Lee aborda temas como expectativas sociais, bullying, luto e perdão, misturando críticas à pressão cultural por casamentos “adequados”.
Você poderia compartilhar insights sobre o seu processo de escrita para este livro (A Farmácia do Amor da Família Botero)? Como ele se diferenciou da sua abordagem em trabalhos anteriores? Houve desafios únicos ou momentos marcantes que se destacaram durante essa experiência em particular?
Lee Sun-Young: Lecionei por vários anos na universidade uma disciplina sobre literatura relacionada ao amor e aos relacionamentos. Durante essas aulas, usando obras literárias com o amor como tema, pensei em escrever uma história sobre isso. Conforme mencionei no prefácio, minhas obras anteriores têm como característica a representação do desejo e das contradições humanas por meio de técnicas investigativas. Em A Farmácia do Amor da Família Botero, busquei explorar a bondade humana, promovendo cura e conforto através do amor. Foi uma nova tentativa de ampliar meus horizontes como autora.
Seguindo essa obra, publiquei em julho de 2024 o romance A Loja de Adivinhações que Nunca Acerta, que pode ser considerado a conclusão de uma série de histórias de cura, com personagens inspirados em vizinhos comuns vistos sob uma perspectiva calorosa. Já O Tempo de Recolher a Rede, lançado em novembro do mesmo ano, tem uma abordagem distinta das obras anteriores, explorando a dimensão da salvação humana.
Com as mudanças rápidas da era em que vivemos, acredito que os valores e visões de mundo de um autor também devem evoluir. Nesse sentido, meu esforço continuará sendo o de me conectar com a humanidade e dialogar com o mundo, tornando-me uma escritora em constante transformação.
O que inspirou as histórias e os personagens deste livro? Como esses elementos foram moldados e como você acredita que os leitores podem se inspirar nessas narrativas para enfrentar os desafios do dia a dia?
Lee Sun-Young:Houve críticas de alguns leitores coreanos. Relações como a do casal Soo-ae, o vínculo entre Soo-ae e sua filha Hyo-sun, e o casal homossexual talvez tenham sido relações amorosas um pouco estranhas para aqueles que esperavam um amor doce e nostálgico.
Com os personagens deste romance, tentei explorar diferentes formas e maneiras de amor. Além disso, quis transmitir a mensagem de que o perdão e a aceitação podem ser categorias ainda maiores de amor.
Na sua opinião, o que tem impulsionado a recente popularidade da ficção de cura? Foi um movimento orgânico, com autores explorando seus mundos interiores e se conectando com os leitores? Ou você acha que foi uma resposta a uma demanda crescente do público por esses temas?
Lee Sun-Young: Acho que isso pode ter surgido do desejo das pessoas, cansadas de tantos incidentes e tragédias transmitidos diariamente nos noticiários, de encontrar consolo e uma pausa em suas vidas. Acredito que são ambas as coisas. Afinal, um escritor é, por natureza, alguém que deseja se comunicar com o mundo. Isso pode ter sido o que estabeleceu a literatura de cura como um gênero.
A literatura coreana tem ganhado destaque globalmente. Como você enxerga o futuro da K-literatura no cenário internacional?
Lee Sun-Young: Posso afirmar com confiança que a literatura coreana tem um grande potencial para continuar sendo uma protagonista no palco global. Na verdade, os resultados atuais da K-literatura são fruto de um longo acúmulo. Nosso país, com sua rica história, conseguiu alcançar a industrialização e a democracia em ritmo acelerado, demonstrando grande resiliência. (Nesse aspecto, a história da Coreia é bastante semelhante à do Brasil.).
A K-literatura, que cresceu junto com esse progresso, é tão rica, diversificada e profunda que pode competir com a literatura de qualquer outro país. Tenho certeza de que o potencial dessa literatura influenciará profundamente os leitores ao redor do mundo.
Sobre a autora:
Lee Sun-Young (이선영) nasceu em Seul. Formou-se em escrita criativa pela Universidade Feminina de Han-yang e tem mestrado no mesmo tema pela Universidade Dan-kook. Considerada uma das melhores escritoras da atualidade na Coreia do Sul, é autora de vários livros de sucesso, dentre eles Mil anos de silêncio (천년의 침묵), mistério ambientado na Grécia Antiga, pelo qual Lee qual ganhou o Prêmio Literário Korean New Wave. Traduzido diretamente do coreano para o português, Farmácia do Amor da Família Botero é o primeiro livro de Lee Sun-Young publicado no Brasil.
Foto: divulgação
Jornalista apaixonado pela cultura coreana, acompanhando desde 2019 o universo dos comebacks, kdramas e a culinária do país. O que começou como curiosidade se transformou do dia a dia e uma terapia antiestresse.