O novo filme do diretor sul-coreano Hong Sang-soo, O Que a Natureza te Conta, estreia nos cinemas brasileiros em 20 de novembro. Conhecido por seu estilo minimalista e por transformar situações cotidianas em retratos das relações humanas, o cineasta apresenta mais uma história aparentemente simples: um jovem poeta que visita os pais da namorada e acaba passando o dia com a família. O que começa como uma visita casual se torna um retrato delicado sobre convivência, silêncios e desconfortos.
O filme acompanha Donghwa, um jovem poeta que vive de trabalhos temporários e evita a ajuda financeira do pai, que é um famoso advogado, e sua namorada Junhee, com quem mantém um relacionamento há três anos. Ao levá-la para passar o fim de semana na casa dos pais, ele não espera ser convidado a ficar. O sogro, um homem que parece comandar tudo à sua volta, o convida para almoçar, beber e conversar, dando início a uma longa tarde com a família.
Hong Sang-soo constrói o filme com a mesma naturalidade que orienta seus personagens. A câmera quase não se move, os diálogos parecem improvisados e o som ambiente faz parte da narrativa, criando a sensação de que tudo foi registrado sem ensaio. As conversas se estendem até o limite do constrangimento, revelando o desconforto que surge quando as pessoas tentam parecer educadas. É como se o espectador ocupasse o sexto lugar na mesa, observando a família entre goles de makgeolli e risadas.

Os personagens são o centro da narrativa e o que mantém o filme em movimento. Junhee é simples e afetuosa, o tipo de pessoa que tenta manter o equilíbrio quando o ambiente começa a se desajustar. A irmã, em contraste, fala demais e parece desconectada de qualquer sensibilidade. O pai se mostra gentil, mas direto, enquanto a mãe é quem mais chama atenção pela naturalidade com que observa e compreende o que acontece. Donghwa, o namorado poeta, é o corpo estranho da casa, alguém deslocado entre a admiração e o desconforto. Tudo o que acontece se transforma em uma tensão silenciosa que se espalha ao longo do filme.
O diretor sul-coreano filma o cotidiano com a precisão de quem entende que o banal também é revelador. Nada é construído para causar impacto, e talvez por isso o filme continue na cabeça do espectador muito depois da sessão. O desconforto de Donghwa diante do sogro, a frustração silenciosa da mãe e a diferença entre as irmãs são pequenos movimentos que, juntos, formam um retrato sobre o que há de mais humano nas relações. Não existe grande virada, apenas uma sucessão de momentos que parecem se repetir em qualquer família.

A simplicidade, que à primeira vista pode parecer estranha para quem gosta de filmes do mainstream, é parte da força do filme. Hong Sang-soo trabalha com imagens quase amadora, zooms manuais e planos longos que lembram filmagens caseiras. Essa estética serve justamente para aproximar o público, mesmo que cause certo desconforto até nos acostumarmos com o estilo. Tudo soa íntimo, quase como se estivéssemos dentro da casa, ouvindo as conversas e presenciando pessoalmente esse dia estranho. A ausência de pressa e de explicações diretas reforça o que o diretor parece querer mostrar: que o sentido nem sempre está no que se diz, mas no que se deixa em silêncio.
O contraste cultural que atravessa “O Que a Natureza Te Conta” talvez seja o ponto mais interessante para um olhar brasileiro. Três anos de namoro e o rapaz nunca havia conhecido a família da namorada. A cena, que parece comum dentro da Coreia, soa impensável para quem vem de uma cultura em que a intimidade costuma vir antes da formalidade. Lá, os gestos são medidos, as palavras passam por filtros invisíveis, e até o afeto precisa de permissão. A tensão de Junhee ao mencionar que a irmã voltou a morar com os pais por causa da depressão é um exemplo claro disso. O assunto surge e desaparece na mesma velocidade, sem espaço para acolhimento, como se falar fosse mais constrangedor do que sentir.
Entre Donghwa e Junhee, a relação também parece moldada por essa mesma rigidez. São namorados, mas quase não há contato físico, olham-se mais do que se tocam, falam mais do que se escutam. O amor aparece em gestos pequenos, tímidos, como se cada demonstração precisasse pedir desculpas por existir. O ápice vem no abraço final entre o casal, quando trocam um “te amo” que soa ensaiado, bonito, mas que dá pra sentir o desconforto do outro lado da tela. Até os pais, que dividem uma vida inteira, parecem viver em polos distintos dentro da mesma casa.

É um tipo de estranhamento que me pareceu familiar. Quando estive na Coreia no meio do ano, senti o mesmo. Eles são calorosos, atenciosos e gentis, mas existe um limite que nunca se cruza. Um silêncio educado que parece proteger tudo, até a dor. Para nós, brasileiros, que falamos e revelamos o que sentimos antes de pensar, esse cuidado soa quase como contenção. No filme, esse abismo cultural aparece bastante, o que Hong Sang-soo mostra não é apenas uma família, mas uma sociedade que aprendeu a sobreviver pela aparência e formalidade.
Hong Sang-soo em vez de preencher o tempo com explicações, ele o alonga, como quem espera o outro falar e aceita o vazio quando isso não acontece. As pausas entre os personagens dizem mais do que qualquer diálogo, e é nelas que se revela o que o filme realmente quer mostrar: o desconforto da convivência, o peso das expectativas e a solidão que existe até dentro das relações mais próximas.
O diretor não julga essa distância, ele a observa com paciência, como quem entende que o silêncio também é uma forma de comunicação. Na Coreia, essa contenção é parte da cultura. O respeito e a hierarquia moldam as interações, e mesmo o afeto se expressa de modo indireto. Hong captura isso sem exagero, apenas mostrando. E ao fazer isso, ele também fala sobre o que há de universal nesse comportamento. O medo de decepcionar, o receio de falar demais, a vontade de ser aceito, tudo isso são sentimentos que atravessam fronteiras, ainda que se manifestem de maneiras diferentes.

O filme no final não entrega lições, mas o que fica é a sensação de ter vivido junto daqueles personagens por algumas horas, de ter observado uma dinâmica que é simples e complexa ao mesmo tempo. Hong Sang-soo filma o cotidiano com tanto cuidado que isso se torna reflexão.
“O Que a Natureza Te Conta” estreia nos cinemas brasileiros no dia 20 de novembro, com distribuição da Pandora Filmes. No mesmo dia, o diretor lança também “De Frente pra Você”, disponível no Belas Artes À La Carte, plataforma de streaming dedicada a filmes independentes e produções de destaque em festivais.
Ver dois filmes do diretor sul-coreano estreando simultaneamente no Brasil é algo a ser celebrado. Hong Sang-soo é um dos nomes mais importantes do cinema contemporâneo, e suas obras seguem conquistando espaço entre o público brasileiro. Vale acompanhar ambos os lançamentos, no cinema ou em casa, e descobrir como o cotidiano pode se transformar em boa história quando filmado com sensibilidade e olhar atento.
Sinopse
Em O Que a Natureza Te Conta, o jovem poeta Donghwa (Ha Seong-guk) acompanha a namorada Junhee (Kang So-yi) até a casa dos pais dela, onde ela passará o fim de semana. Sem planejar, ele acaba conhecendo o sogro, O-ryeong (Kwon Hae-hyo), um homem de personalidade forte e presença marcante, que o convida a passar o dia em família. Entre conversas, refeições e doses de makgeolli, a visita se transforma em uma tarde longa e desconfortavelmente reveladora. O filme transforma o simples encontro entre genro e sogro em um retrato delicado das tensões familiares e dos silêncios que cercam as relações humanas.
Ficha técnica
Título original: 그 자연이 네게 뭐라고 하니
Título internacional: What Does That Nature Say to You
Direção, roteiro, fotografia, montagem e trilha sonora: Hong Sang-soo
Elenco: Ha Seong-guk, Kang So-yi, Kwon Hae-hyo, Cho Yun-hee, Park Mi-so
País: Coreia do Sul
Ano: 2025
Duração: 109 minutos
Gênero: Drama
Distribuição no Brasil: Pandora Filmes
Estreia: 20 de novembro de 2025
Onde assistir: Cinemas

Fotos: Divulgação | Agradecimento especial: à Pandora Filmes, pelo convite para a cabine de imprensa de O Que a Natureza Te Conta.
Dani Almeida é jornalista (MTB 0095360/SP) e estudou Ciências Sociais na UNIFESP. Atua como editora no Portal Asia ON e na Tune Wav, é colunista no Portal IT Life e redatora.





