Se você maratonou a primeira parte da 5ª temporada de Stranger Things, lançada ontem, e ficou com a estética dos anos 80 na cabeça, Seul tem o cenário da vida real pronto para te receber. Esqueça os prédios futuristas ou os palácios tradicionais por um momento. O lugar onde a ficção nostálgica encontra a realidade da capital coreana tem nome e apelido: Euljiro, ou conhecida carinhosamente pelos locais como “Hipjiro”, um trocadilho entre “hip” (descolado) e o nome do bairro, a região é o epicentro visual e cultural do movimento Newtro.
Para entender Euljiro, é preciso primeiro entender o que essa palavra significa. Newtro não é apenas “retrô”. Enquanto o retrô é uma nostalgia passiva, o desejo de voltar ao passado, o Newtro é uma reinterpretação ativa, que se tornou um dos movimentos culturais mais fortes da Coreia do Sul na última década. A palavra combina as ideias de novo e retrô e descreve uma tendência que recupera estéticas passadas não como nostalgia pura, mas como reinvenção.



Cafés, bares, lojas, filmes, séries e até campanhas publicitárias abraçam cores, referências visuais, objetos e atmosferas das décadas de 70, 80 e 90, mas sempre com um toque contemporâneo. O Newtro não busca recriar o passado de forma literal. Ele o interpreta, o moderniza e o transforma em experiência urbana, criando espaços que parecem familiares e inéditos ao mesmo tempo. Essa lógica se espalhou por Seul e moldou a forma como muitos bairros se reinventaram sem abrir mão da própria identidade.
É a Geração Z e os Millennials sul-coreanos olhando para as décadas de 70 e 80, épocas de rápido crescimento industrial e ditadura militar no país, e ressignificando essa estética para o consumo moderno. Eles pegam o velho, o enferrujado e o analógico e injetam a sensibilidade contemporânea. E nenhum lugar explica isso melhor do que as ruas desse bairro.
Visitei Euljiro em julho de 2025 e foi impossível ignorar como o bairro muda ao longo do dia. A primeira passagem foi durante a tarde, em um clima de movimento constante, com muitas pessoas circulando entre prédios cinzas e restaurantes.



Euljiro é frequentemente apresentado pelos próprios coreanos como um “laboratório urbano” onde o antigo e o atual convivem sem esforço. Agências de turismo, veículos de mídia local e influenciadores descrevem o bairro como um símbolo de reinvenção, um lugar que preserva prédios e estruturas antigas enquanto recebe cafés, bares e espaços criativos que ocupam cantos inesperados da região.
O bairro é divulgado como destino para quem busca descobrir a cidade de forma diferente, longe da estética de Gangnam ou da energia comercial de Hongdae. Euljiro aparece como um território autêntico e cheio de contrastes, querido pelos jovens justamente por oferecer uma Seul menos óbvia e mais espontânea. O discurso local destaca a atmosfera crua da região como parte do charme, reforçando que é um dos pontos mais importantes para entender a cultura contemporânea da cidade.



Um amigo coreano quis apresentar o bairro para minha amiga e para mim, porque disse ser surpreendente e de fato, foi. Eu também usaria a palavra deslumbrante, principalmente de noite. Assim que chegamos, andamos pelas ruas estreitas do bairro procurando um prédio que não tinha fachada e que os números confundiam até o único nativo presente no grupo. A magia de Euljiro exige esse tipo de guia ou uma curiosidade ousada.
Após alguns minutos, subimos para um café no segundo andar de um prédio simples, um espaço aconchegante que mantinha elementos visuais da arquitetura antiga misturados a detalhes contemporâneos. Lá, o barulho da rua sumiu e encontramos um café extremamente aconchegante, com móveis de madeira escura e uma atmosfera que contrastava com o concreto bruto do lado de fora. Para completar a aleatoriedade fantástica do bairro, no mesmo prédio funcionava um bar temático que simulava o interior de um avião. Parecia uma caixinha de surpresas. Infelizmente não pude ficar até o anoitecer naquele dia, mas voltei dias depois, dessa vez só com uma amiga e à noite, para ver a transformação.



À noite, Euljiro ganha intensidade. As luzes dão novo contorno às ruas e criam um ambiente marcado por cores, sombras e reflexos que lembram referências retrô. A estética Newtro aparece de forma natural e transforma os becos e fachadas em um cenário que conversa com a memória visual de quem cresceu cercado por imagens dos anos 80. Paramos em um bar tropical, com decoração que seguia esse mesmo espírito e que se destacou pelo contraste entre plantas, iluminação e móveis de época. A experiência mostrou como o bairro se reinventa sem perder o que o torna singular.
A movimentação muda também. Durante o dia, Euljiro é mais misto, com trabalhadores, moradores e visitantes circulando entre cafés e oficinas. À noite, o público jovem domina as ruas em busca de espaços que servem como ponto de referência para quem quer explorar a cidade. A sensação lembrou a estética da Avenida Augusta em São Paulo, com um fluxo constante e energia urbana evidente.



Mas diferente da famosa rua paulista, o bairro sul-coreano tem muito mais luzes, neons refletindo em becos estreitos e, curiosamente, menos gente se esbarrando. Ainda assim, a energia do lugar me transportou diretamente para as noites da minha juventude. É o “Lado B” de Seul. Enquanto o resto da cidade tenta ser perfeito e polido, Euljiro abraça a imperfeição e o passado.
Os guias locais vendem Euljiro como uma caça ao tesouro, e eles têm razão. Em uma cidade obcecada pela tecnologia, esse bairro sobrevive como um ato de resistência cultural. Se você busca uma experiência que vai além da foto bonita e quer sentir a atmosfera real da noite coreana em 2025, perca-se nos becos de Euljiro. A sensação de descobrir um lugar incrível atrás de uma porta enferrujada é o mais perto que você vai chegar de viver seu próprio filme dos anos 80.



Fotos: Acervo Pessoal | Daniele Almeida
Dani Almeida é jornalista (MTB 0095360/SP) e estudou Ciências Sociais na UNIFESP. Atua como editora no Portal Asia ON e na Tune Wav, é colunista no Portal IT Life e redatora.





