Kalachakra pela Paz: Uníssono do exterior e do interior

Kalachakra
Foto: Dr. Arnav Anjaria

-Dr. Arnav Anjaria

Acontece que estive em Bodhagya em Bihar, Índia, de 2 a 14 de janeiro, no início do novo ano de 2017, testemunhando uma enorme congregação, se reuniram devotos de cerca de 90 países diferentes. Embora se esteja bem ciente do significado espiritual e histórico de Bodhgaya dentro do budismo, o lugar onde Buda meditou para atingir a iluminação suprema sob a árvore Bodhi, esta congregação era uma parte do 34º Kalachakra para a paz mundial presidida por Sua Santidade o décimo quarto Dalai Lama do Tibete.

“Kala” – o tempo e Kalachakra é a roda do tempo, que permanece constantemente movimento. Pode-se dizer que Kalachakra é a adoração da roda do tempo ou do próprio tempo, uma tradição que é parte integral do reino tântrico do Budismo Vajrayana Tibetano.

 A diversidade de nacionalidades de seus participantes e devotos ressoou muito com a preocupação do Kalachakra que era pela Paz Mundial. Em todas as estradas que levam a Bodhagaya, partindo de Patna (a capital do estado de Bihar) e nos arredores, o que permaneceu visível foram grandes faixas e painéis com uma imagem de Sua Santidade o XIV Dalai Lama e a Mandala dando as boas-vindas aos devotos do Kalachakra pela paz mundial. Foi um período em 2017 em que a violência e a escassez de recursos e o desequilíbrio ambiental haviam causando grande perturbação à vida de todos os seres sencientes¹, o 34º Kalachakra foi organizado para orar por um futuro melhor para todos os que continuam fazendo parte deste universo abençoado.

As orações de doze dias também foram marcadas por um evento especial que incluiu uma oração multi-religiosa liderada por líderes religiosos pertencentes a diferentes religiões, como o cristianismo, hinduísmo, jainismo, sikhismo e islamismo. Embora isso possa parecer um reflexo do ethos² secular moderno, não foi de forma alguma separado do cenário principal do próprio Kalachakra, uma vez que as raízes filosóficas da cerimônia são diversas, encontrando seus meios em diferentes religiões e filosofias mundiais, como o Hinduísmo tântrico, Jainismo, Filosofia Védica e outras culturas indígenas.

O discurso e os sermões do Dalai Lama em Kalachakra incluíam ensinamentos sobre moralidade, ética e também tantra, juntamente com a entoação de mantras cerimoniais dos textos da literatura tântrica pelos membros do clero budista tibetano. A iniciação é sobre a adoração e a crença de que o universo no exterior do corpo humano é uma roda do tempo; é guiado pelo deslocamneto e movimento do tempo e dos planetas. 

Assim, ele é em si um Kalachakra, enquanto há outro Kalachakra que está dentro de nós, que deve ser invocado para que oriente nossas ações futuras que contribuem para o bem-estar de todos os seres sencientes. De uma perspectiva astrológica da filosofia Kalachakra, existem vários planetas no universo, que permanecem em um estado de movimento, e esse movimento dos planetas tem um impacto sobre nossas ações, karma, acontecimentos da vida e o destino do universo. Consequentemente, é essa roda do tempo que é o grande guardião. E, essencialmente, a iniciação Kalachakra é a adoração dessa roda variável.

As orações ritualísticas e os sermões do Kalachakra 2017 aconteceram no terreno de Kalachakra em Bodhgaya, onde a área principal foi amplamente ocupada pelos monges e freiras e onde no palco estava o Dalai Lama e outros veneráveis ​​monges. Dentro do complexo Kalachakra havia portões e caixas separados para estrangeiros, devotos indianos, devotos da região do Himalaia, que tem uma grande presença de adeptos da religião budista tibetana, e para a imprensa. Também havia grandes tendas colocadas em vários lugares diferentes em Bodhgaya com grandes telas de LED que faziam a transmissão ao vivo das orações do Kalachakra.

As cenas em Bodhgaya durante as orações de Kalachakra, todos os dias eram tais que, enquanto o complexo de Kalachakra permanecia cheio de devotos, até mesmo as estradas sendo totalmente ocupadas pelos fiéis que se sentavam no chão para ouvir o Dalai Lama, e momentaneamente, isso deu um vislumbre semelhantes ao Tibete antes de 1959, onde se podiam encontrar devotos prostrados nas estradas, por toda Lhasa.

Enquanto Sua Santidade pregava em grande parte na língua tibetana, os sermões foram traduzidos para várias línguas diferentes, como alemão, espanhol, inglês, hindi, nepalês, chinês, japonês, vietnamita e outros dialetos tibetanos e foram transmitidos através das frequências de rádio FM. Os devotos carregavam um transmissor de rádio FM simples para o complexo de Kalachakra e ouviam com devoção a transmissão dos ensinamentos em seu idioma de preferência.

Para muitos, chegar ao Kalachakra em si não foi uma tarefa fácil. Muitos devotos vieram das ravinas do imaculado Himalaia. Atravessar os desfiladeiros nas montanhas, que para muitos pareceria coisa do passado, mas os contos de suas viagens falam também sobre o quão poderoso o Himalaia ainda permanece. São pessoas que vivem em áreas distantes, muitas das quais ainda não têm acesso à eletricidade ou infraestrutura urbana. Chegar a Bodhgaya não foi suficiente, pois nem todo devoto é tão próspero quanto qualquer outro adepto do Dharma³ seria, os preços exorbitantes dos quartos em Bodhgaya poderiam ter adicionado à miséria dos devotos que não seriam capazes de pagar acomodação, mas a liderança icônica de Lobsang Sangay como primeiro-ministro da Administração Central do Tibete garantiu que cada devoto encontrasse acomodação nas tendas montadas pelos organizadores. 

Foi uma grande iniciativa do Primeiro-Ministro, que visitou pessoalmente todas as tendas para garantir o conforto e o bem-estar dos devotos. É uma realidade que em um lugar como Bodhgaya, durante o Kalachakra, agredido pelo frio arrepiante de Bihar, os habitantes locais não se permitiram lucrar imprudentemente dos devotos e para sua vantagem eles encontraram clientes daqueles peregrinos vindos de regiões e origens prósperas. 

No entanto, apesar dos muitos desafios que o lugar representava para as pessoas, em grande parte o que era visível entre os participantes do Kalachakra era uma sensação de felicidade e contentamento. A causa da felicidade foi ainda facilitada pelo serviço voluntário inovador prestado aos peregrinos pelo congresso da juventude tibetana, uma organização radical da juventude tibetana que, com o apoio de cerca de 300 de seus voluntários, serviu generosamente os participantes. O maior crédito pelo sucesso da coordenação do Kalachakra é devido ao congresso da juventude tibetana, onde a energia e o entusiasmo de seus voluntários aumentaram o senso de fraternidade entre todos os que compareceram ao Kalachakra.

As nuances da cerimônia e do evento eram tais que pessoas de todas as regiões do budismo tibetano se reuniram para celebrar a unidade do espírito humano e da cultura tibetana, embora também exibindo suas próprias culturas e trajes nativos. Era uma união de vários grupos étnicos, enquanto os devotos mongóis circulavam em seus trajes coloridos e os Monpas em seus trajes tribais étnicos, os devotos do Himachal também eram onipresentes em todos os lugares, homens e mulheres, jovens e velhos de lugares tão distantes como Lahaul e Spiti, vagando por Bodhgaya em grupos, adornando os adoráveis ​​gorros bordados.

O Dalai Lama, em seu discurso aos Tibetanos dentro do Tibete, afirmou com grande humildade que a distância não pode separá-los, ele aconselhou o povo a orar e meditar de onde quer que fosse, garantindo que os frutos da iniciação os alcançariam, afirmando que ele estará apoiando os devotos.

O Kalachakra foi concluído com a finalização da Mandala de areia. A conclusão da Mandala de areia ressoa com a ideia da difusão de energia positiva que é o resultado dessas longas orações. Todos os devotos foram então autorizados a ver a Mandala. A mensagem que levamos conosco quando o Kalachakra conclui é que o que está dentro é tão puro quanto o que está fora, é a união do karma e das ações, o coração e a alma e mente que levariam à iluminação total de todos.

 

Notas da tradutora:

¹ No budismo, os seres sencientes são seres com consciência, senciência ou, em alguns contextos, a própria vida. Os seres sencientes são compostos dos cinco agregados, ou skandhas: matéria, sensação, percepção, formações mentais e consciência.

² Conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região.

³ O Dharma budista diz respeito aos ensinamentos do Buddha Gautama, e é uma espécie de guia para a pessoa alcançar a verdade e a compreensão da vida. Pode ser chamado também de “lei natural” ou “lei cósmica”.

 

Artigo enviado pelo nosso colunista internacional: Dr. Arnav Anjaria.
Fotos: Arquivo pessoal do autor.
Tradução: Gabriela Sales

 

Leia o artigo original em inglês abaixo —>

Read the original article in English below —>

 

Kalachakra for Peace:  Unison of the exterior and the Within.

-Dr. Arnav Anjaria 

I happened to be in Bodhagya in Bihar, India from the 2nd to the 14th of January at  the onset of the  new year 2017,  witness to a massive congregation, coming together of devotees from about 90 different countries . While one is well aware of the spiritual and the historical significance of Bodhgaya within Buddhism, the place where Buddha meditated to attain the supreme Enlightenment under the Bodhi tree, this congregation-was a part of the 34th Kalachakra for world peace presided by His Holiness the Fourteenth Dalai Lama of Tibet.

“Kala” -the time and Kalachakra is the wheel of time, which remains constantly in a state of motion. It can be said that Kalachakra is the worship of the wheel of time or time itself, a tradition which is an integral part of the tantric realm of Tibetan Vajrayana Buddhism. 

 The diversity of the nationalities of its participants and devotees resonated much with the concern of the Kalachakra which was for World Peace. Across all roads leading to Bodhagya from Patna (the capital of the State of Bihar) and the surrounding areas what remained visible were large banners and hoardings with a picture of His Holiness the XIV Dalai Lama  and the Mandala welcoming the devotees for the Kalachakra for World peace.  It was  a time in 2017 when violence and scarcity of resources and environmental imbalance had greatly disrupted life of all sentinel beings, the 34th Kalachakra was organized to pray for a better future for all who remain a part of this blessed universe. 

The twelve day prayers were also marked by a special event which included a multi faith prayer that was lead by religious leaders belonging to different faiths such as Christianity, Hinduism, Jainism, Sikhism and Islam. Though this may seem as a reflection of modern secular ethos yet it was in no way separate from the larger attire of the Kalachakra itself, since the philosophical roots of the Kalachakra ceremony are diverse, finding their means in different world religions and philosophies such as Tantric Hindusim, Jainism, Vedic philosophy and other indigenous cultures. 

The discourse and the sermons at the Kalachakra by the Dalai Lama  included teachings on morality, ethics and also tantra alongwith the chanting of ceremonial mantras from the texts from the tantric literature by the members of the Tibetan Buddhist clergy.  The initiation is about the worship and the belief that the universe in the exterior of the human body is a wheel of time; it is guided by the motion and movement of time and the planets. Thus it is in itself a Kalachakra, while there is another Kalachakra which is within us, that is to be invoked so that it guides our future actions that contribute towards the welfare of all sentinel beings.  From an astrological perspective of the Kalachakra philosophy, there are several planets in the universe, that remain in a state of movement, and this movement of the planets has an impact on our actions, karma , life events, and the destiny of the universe. Hence, it is this wheel of time, which is the ultimate custodian. And essentially the Kalachakra initiation is the worship of this vary wheel. 

The ritualistic prayers and the sermons of the Kalachakra 2017 took place at the Kalachakra ground in Bodhgaya, where the main area was largely occupied by the monks and the nuns and where on the stage sat the Dalai Lama and other venerable monks.  Within the Kalachakra complex there were separate gates and boxes for foreigners, Indian devotees, devotes from the Himalayan region which has a large presence of adherents of Tibetan Buddhist religion and the Press. There were also large tents put up across several different places in Bodhgaya with large LED screens which broadcasted the live stream of the kalachakra prayers. 

The scenes at Bodhgaya during the Kalachakra prayers, every single day were such that while the Kalachakra complex remained packed with devotees , even the roads being fully occupied by the devotees who sat on the ground to listen to the Dalai Lama, and momentarily, this gave a glimpse of pictures similar to the pre 1959 Tibet where one could find devotees prostrating on the roads, all across Lhasa. 

While His Holiness sermonized largely in Tibetan language, the sermons were translated into several different languages such as German, Spanish, English, Hindi, Nepali, Chinese, Japanese, Vietnamese and the other Tibetan dialects and were broadcasted via the FM radio frequencies. Devotees carried a simple FM radio transistor into the Kalachakra complex and devotedly listened to the broadcast of the teachings in their preferred language.

Getting to the Kalchakra itself, for many was no easy feat. Many devotees had come all the way from the ravines of the pristine Himalayas. Crossing the mountain passes, which for many would seem a thing of the past, but the tales of their travels speaks also about the how mighty the Himalayas still remain. These are people who live in far flung areas, many which still do not have access to electricity or urban infrastructure. Reaching Bodhgaya wasn’t enough, for not every devotee is as prosperous as any other adherent of the dharma would be, the exorbitant prices of the rooms in Bodhgaya could have added to the misery of the devotees who would not be able to afford accommodation, but the iconic leadership of Lobsang Sangay as the Prime Minister of the Central Tibetan Administration ensured that every devotee would find accommodation in the tents that were put up by the organizers. It was a major initiative by the Prime Minister, who personally visited every tent to ensure the comfort and the welfare of the devotees. It is but a reality that in a place such as Bodhgaya, during the Kalachakra, clubbed with Bihar’s chilling cold, the locals had left no stone unturned to unwisely profit from the devotees and to their advantage they majorly found customers from those pilgrims who hailed from prosperous regions and backgrounds. Yet despite many challenges that the place posed before the people, largely what was visible among the participants of the Kalachakra was a sense of happiness and contentment. The cause of happiness was further facilitated by the path breaking voluntary service rendered to the pilgrims by the Tibetan youth congress, a radical organization of Tibetan youths which with the support of around 300 of its volunteers selflessly served the participants. A large credit for the successful coordination of the Kalachakra is owed to the Tibetan youth congress, where energy and the enthusiasm of their volunteers added to the sense of fraternity amongst all who attended the Kalachakra. 

The nuances of the ceremony and the even were such that people from across Tibetan Buddhist regions gatherted to celebrate the oneness of human spirit and Tibetan culture albeit by also showcasing their own indigenous cultures and attire. It was a confluence of several ethnic groups, while the Mongol devotees went around in their colorful costumes and the Monpas in their ethnic tribal attire, the devotees from the Himachal were also omnipresent all around, men and women, young and old from places as far as lahaul and spiti, wandering across Bodhgaya in groups, adorning the adorable embroidered caps. 

The Dalai Lama in his address to the Tibetan inside Tibet asserted with great  humility that distance cannot separate them, he urged the people to pray and meditate from wherever they maybe, ensuring that the fruits of the initiation would reach them, stating that he stands with them. 

The Kalachakra concluded with the completion of the sand Mandala. The completion of the sand Mandala resonates with the idea of the spread of positive energy which are a result of these long prayers. All devotes were then allowed to see the Mandala. The core of the message which we take back as the Kalachakra concludes is that what is within is as pure as what is outside, it’s the unites of the karma and the actions, the heart and the soul and mind that would lead to the ultimate enlightenment of us and All.

 

[ENG] Dr.Arnav Anjaria is a faculty of International Relations and Politics at a University in India. His PhD research has been on Human Rights in Tibet. He is also associated with Philanthropic activities, in 2015 he was heading a relief mission in Nepal during the Nepal earthquake.

[PT] Dr.Arnav Anjaria é professor de Relações Internacionais e Política em uma Universidade na Índia. Sua pesquisa de doutorado foi sobre Direitos Humanos no Tibete. Ele também está associado às atividades filantrópicas, em 2015 ele estava liderando uma missão de socorro no Nepal durante o terremoto no Nepal.

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